Introdução: Desvendando a Complexidade da Pobreza

A pobreza é um fenômeno profundamente complexo e multifacetado, que transcende a mera ausência de recursos financeiros. É uma condição que afeta a dignidade humana, limita as oportunidades de desenvolvimento e compromete o bem-estar em diversas esferas da vida. A busca por compreender “10 maneiras” de identificar a pobreza já sinaliza uma percepção de sua natureza multidimensional, e este artigo visa aprofundar essa compreensão, validando e expandindo essa intuição. A literatura especializada, de fato, corrobora que a pobreza é inerentemente multidimensional, não podendo ser adequadamente capturada por uma única métrica.
Pobreza Absoluta vs. Pobreza Relativa: Entendendo as Definições
Para analisar a pobreza de forma abrangente, é fundamental distinguir entre suas duas principais abordagens conceituais: a pobreza absoluta e a pobreza relativa. A pobreza absoluta é definida por um limiar fixo, que representa o custo de uma cesta básica de bens e serviços essenciais para a sobrevivência. O Banco Mundial, por exemplo, tradicionalmente adota uma linha de pobreza absoluta, atualmente estabelecida em US$1,90 por pessoa, por dia, em dólares na paridade do poder de compra (PPC) de 2011. O objetivo dessa linha é medir a pobreza de forma consistente entre países, buscando que ela corresponda ao mesmo nível de bem-estar, independentemente do local onde a pessoa vive.
Em contraste, a pobreza relativa é definida em relação ao padrão de vida médio de uma sociedade específica. Instituições como a União Europeia (via Eurostat) e a OCDE frequentemente utilizam linhas de pobreza relativas, fixadas em 50% ou 60% da renda mediana nacional. Essa distinção é crucial porque a experiência e a medição da pobreza são, em grande parte, dependentes do contexto. Embora as linhas absolutas busquem uma comparabilidade universal, as linhas relativas refletem a desigualdade social e a capacidade de um indivíduo participar do padrão de vida predominante em sua sociedade. Isso significa que a condição de ser considerado “pobre” pode ser percebida e medida de maneira distinta em diferentes países, mesmo quando se utilizam parâmetros internacionais.
O Que Significa “Miséria” ou “Pobreza Extrema”?
O termo “miséria” ou “pobreza extrema” refere-se à forma mais severa de privação, caracterizada pela incapacidade de suprir as necessidades mais básicas para a sobrevivência e a dignidade humana. O Banco Mundial utiliza uma linha específica para a extrema pobreza, que serviu de base para o primeiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e, mais recentemente, para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 1 da Organização das Nações Unidas (ONU): “Acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares”.
No contexto brasileiro, a meta para erradicar a pobreza extrema foi adaptada para refletir o nível de desenvolvimento do país, utilizando uma linha intermediária de PPC3,20percapitapordia,emvezdalinhaglobaldeUS1,25 (equivalente a US$1,90 PPC 2011). A existência de uma linha distinta para a “pobreza extrema” e sua incorporação em metas globais e políticas nacionais demonstra a priorização em combater as formas mais agudas de privação. Contudo, uma concentração exclusiva na erradicação da pobreza extrema pode, inadvertidamente, desviar a atenção dos desafios mais amplos enfrentados por aqueles que, embora não se enquadrem na definição de extrema pobreza, ainda vivem em condições de vulnerabilidade e privação, necessitando de políticas sociais mais abrangentes.
Propósito do Artigo: Um Guia Prático para Identificar Sinais
Este artigo tem como propósito oferecer um guia prático e acessível, detalhando 10 indicadores claros e tangíveis que podem auxiliar na identificação da situação de pobreza ou miséria. Esses sinais serão analisados tanto no nível individual quanto no contexto social mais amplo, fornecendo uma compreensão mais profunda das diversas manifestações da privação.
As 10 Maneiras de Identificar a Pobreza e a Miséria:
1. Renda Insuficiente para Necessidades Básicas
A insuficiência de renda é o indicador mais direto e frequentemente utilizado para mensurar a pobreza. Estar em situação de pobreza, sob essa ótica, significa que a renda disponível, seja individual ou per capita familiar, é inferior a um limiar predefinido, considerado mínimo para cobrir as necessidades essenciais de vida.
Internacionalmente, o Banco Mundial define a pobreza extrema como viver com menos de US1,90pordia(emPPCde2011),umalinhahistoricamenteancoradanasrealidadesdospaıˊsesmaispobres,emboratenhasidoalvodecrıˊticasporsua”frugalidade”paracontextosdenac\co~escomdesenvolvimentointermediaˊrio.[2]AONU,pormeiodoODS1,tambeˊmestabeleceuaerradicac\ca~odapobrezaextrema,medidacomopessoasvivendocommenosdeUS1,25 por dia, valor que se alinha com a metodologia do Banco Mundial.
No Brasil, a meta de erradicação da pobreza extrema para o ODS 1 foi adaptada, utilizando uma linha de PPC3,20percapitapordia,oquerefleteonıˊveldedesenvolvimentoalcanc\cadopelopaıˊs.Em2018,porexemplo,cercade13,5milho~esdebrasileiros,correspondendoa6,5145,00 (ou US$1,9 por dia), conforme a metodologia do Banco Mundial.
Em Portugal, a linha de risco de pobreza é estabelecida como 60% da mediana do rendimento monetário líquido anual por adulto equivalente. Em 2023, esse limiar era de 7.588 euros anuais, o que equivale a aproximadamente 632 euros por mês. Nesse mesmo ano, 16,6% da população portuguesa estava em risco de pobreza. É importante notar que a linha de pobreza de Portugal (7.095 euros anuais em 2023) é a décima mais baixa da União Europeia. Isso ilustra que ser considerado pobre em Portugal não é o mesmo que ser considerado pobre em Luxemburgo, onde a linha de pobreza em 2023 era de 28.582 euros anuais (cerca de 2.382 euros por mês).
A variação das linhas de pobreza nacionais, como a adaptação do Brasil para PPC3,20emrelac\ca~oaˋlinhaglobaldePPC1,90, ou a grande diferença entre Portugal e Luxemburgo, demonstra que, embora a renda seja um indicador central, sua “suficiência” é intrinsecamente relativa ao contexto socioeconômico e ao custo de vida de cada país. A experiência da pobreza é, portanto, moldada pelo padrão de vida nacional, mesmo quando comparada a um referencial internacional “absoluto”.
Para ilustrar a diversidade das linhas de pobreza, a tabela a seguir consolida os valores e as abordagens utilizadas por diferentes organizações e países:
Organização/País | Tipo de Linha | Valor da Linha (com unidade e ano de referência) | População Afetada (se disponível) |
Banco Mundial | Absoluta | US$1,90/dia PPC 2011 | – |
ONU (ODS 1) | Absoluta | US$1,25/dia | – |
Brasil (ODS 1) | Absoluta | PPC$3,20/dia per capita | 12,55% em 2016 (pobreza extrema) |
Brasil (Banco Mundial) | Absoluta | R145,00/me^spercapita(US1,9/dia) em 2018 | 13,5 milhões (6,5%) em 2018 |
Portugal | Relativa | €7.588/ano (€632/mês) em 2023 | 16,6% em 2023 |
Luxemburgo | Relativa | €28.582/ano (€2.382/mês) em 2023 | 18,8% em 2023 |
2. Privação Material e Social Severa
Além da renda, a pobreza se manifesta de forma tangível na incapacidade de adquirir bens e serviços essenciais que garantem um padrão de vida digno e a plena participação na sociedade. A “privação material e social severa” é um indicador multidimensional que capta essa realidade de forma mais concreta.
O Eurostat, por exemplo, quantifica essa privação pela falta de pelo menos 7 de 13 itens específicos, que abrangem desde necessidades básicas até a capacidade de participar da vida social. Esses itens incluem a impossibilidade de pagar despesas inesperadas, de tirar uma semana de férias fora de casa por ano, de ter um carro, um telefone, uma TV, de aquecer a casa adequadamente, de comer carne, peixe ou equivalente proteico a cada dois dias, de ter dois pares de sapatos, de ter dinheiro para sair com amigos ou família, de ter acesso à internet, de substituir móveis desgastados, de comprar roupas novas e de poupar uma pequena quantia regularmente.
Na União Europeia, em 2021, 21,7% da população, o equivalente a 95,4 milhões de pessoas, estava em risco de pobreza ou exclusão social, categoria que engloba indivíduos em situação de privação material e social severa. Em Portugal, a PORDATA também monitoriza a privação material e social severa como um componente do risco de pobreza ou exclusão social. Esse indicador desloca o foco de números abstratos de renda para as experiências diárias e concretas de privação. Ele revela que a pobreza não se resume ao que se ganha, mas ao que não se pode ter ou fazer em termos de conforto básico, participação social e planejamento futuro, oferecendo uma forma palpável de avaliar a própria situação para além do salário.
3. Insegurança Alimentar e Nutricional
A incapacidade de ter acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para uma vida saudável e ativa é um dos sinais mais alarmantes e visíveis da pobreza extrema e da miséria. A fome e a desnutrição são consequências diretas da desigualdade social e da pobreza, afetando dezenas de milhões de pessoas.
No Brasil, após um período de melhoria, o país lamentavelmente voltou ao “Mapa da Fome” da ONU no triênio 2019-2021 e permaneceu nessa condição no triênio 2020-2022, indicando um aumento preocupante da insegurança alimentar severa. Contudo, dados mais recentes para 2023 mostram uma reversão positiva: a insegurança alimentar severa no Brasil registrou uma queda de 8,5%, com uma redução de aproximadamente 24 milhões de pessoas nessa condição, conforme medição pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). Essa flutuação no status do “Mapa da Fome” demonstra que os níveis de pobreza, especialmente suas formas mais extremas como a fome, são altamente sensíveis às condições econômicas e às políticas públicas implementadas. A insegurança alimentar é um indicador visceral da pobreza, representando a falha em atender à necessidade humana mais fundamental, e suas variações refletem o impacto de mudanças econômicas e intervenções governamentais.
4. Condições de Moradia Inadequadas ou Precárias
A falta de acesso a uma moradia digna, segura e com infraestrutura básica é um pilar central da pobreza, impactando diretamente a saúde, a segurança e a qualidade de vida dos indivíduos e famílias.
No Brasil, o déficit habitacional totalizou 6 milhões de domicílios em 2022, o que representa 8,3% do total de habitações ocupadas no país. Esse número representa um aumento de cerca de 4,2% em comparação com 2019. A maioria dessas famílias afetadas (74,5%) possui renda de até dois salários mínimos.
Um componente significativo desse déficit é o “ônus excessivo com o aluguel urbano”, que responde por 52,2% do total. Isso ocorre quando famílias com renda de até três salários mínimos gastam mais de 30% de sua renda com aluguel. Esse custo excessivo com moradia é um fator primário da pobreza, aprisionando famílias de baixa renda em um ciclo de tensão financeira que as impede de suprir outras necessidades básicas. Além disso, a presença de moradias inadequadas em favelas e periferias, muitas vezes desprovidas de saneamento básico, é um exemplo contundente da desigualdade social e da pobreza.
A análise dos dados revela também que mulheres são 62,6% das responsáveis por domicílios que integram o déficit habitacional, e pessoas negras são a maioria em praticamente todos os componentes desse déficit, exceto na região Sul do Brasil. Essa desproporcionalidade evidencia como as desigualdades sistêmicas exacerbam a insegurança habitacional e a pobreza.
5. Acesso Limitado ou Inexistente a Serviços Públicos Essenciais
A pobreza não se manifesta apenas na ausência de bens materiais, mas também na dificuldade ou impossibilidade de acessar serviços públicos fundamentais para a vida em sociedade, como água potável, saneamento, eletricidade, transporte e, de forma específica, energia para o lar. A Meta 1.4 do ODS 1 da ONU inclui o indicador 1.4.1, que mede a “Proporção da população que vive em domicílios com acesso a serviços básicos”.
No Brasil, o aumento da extrema pobreza entre 2015 e 2018 foi acompanhado por uma crescente dificuldade de acesso aos serviços públicos, um efeito que pode ser atribuído, em parte, à restrição de investimentos governamentais. A desigualdade social se reflete diretamente na disparidade de acesso a um transporte público eficiente, a cuidados de saúde de qualidade, a oportunidades educacionais e a moradias acessíveis. A ausência de saneamento básico, por exemplo, é um sinal direto dessa privação.
Um aspecto particular dessa privação é a pobreza energética. Em Portugal, estima-se que entre 1,8 e 3 milhões de pessoas estejam nessa situação. A Diretiva (UE) 2023/1791 estabelece uma definição comum de pobreza energética, caracterizando-a como a falta de acesso de um agregado familiar a serviços energéticos essenciais (aquecimento, água quente, arrefecimento, iluminação e energia para eletrodomésticos) que proporcionem níveis básicos e dignos de vida e saúde. Essa condição é causada por uma combinação de fatores, incluindo a inacessibilidade dos preços, renda disponível insuficiente, elevadas despesas energéticas e a baixa eficiência energética das habitações. Portugal, inclusive, adotou uma Estratégia Nacional de Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética (ELPPE) com a missão de erradicá-la até 2050.
A limitação ou ausência de acesso a serviços públicos essenciais aponta para uma privação sistêmica que impacta profundamente a qualidade de vida diária, a saúde e a participação econômica, mesmo para aqueles que podem estar tecnicamente acima de uma linha de pobreza de renda. O caso específico da pobreza energética ilustra como o custo e a eficiência das utilidades podem aprisionar famílias em um ciclo de privação, demonstrando que a pobreza não se trata apenas de obter renda, mas também do custo de vida e da qualidade da infraestrutura pública disponível.
6. Barreiras no Acesso à Saúde de Qualidade
A pobreza e a saúde estão intrinsecamente ligadas, formando um ciclo vicioso que perpetua a privação. A falta de recursos financeiros e a desigualdade social frequentemente se traduzem em barreiras significativas para o acesso a cuidados de saúde adequados, medicamentos e tratamentos, comprometendo o bem-estar e a capacidade de desenvolvimento dos indivíduos.
Pessoas em situação de pobreza enfrentam obstáculos adicionais no acesso a serviços básicos, incluindo a saúde, o que pode agravar limitações de saúde preexistentes ou aumentar o risco de surgimento de novas deficiências. A pobreza impõe barreiras financeiras, estruturais e sociais que limitam o acesso a serviços de saúde de qualidade. Como consequência, condições de pobreza, como a desnutrição e a falta de saneamento adequado, elevam o risco de problemas de saúde. A dificuldade de acesso à saúde, por sua vez, contribui para a desigualdade em saúde e afeta negativamente a saúde geral da população.
Essa relação recíproca entre pobreza e saúde precária cria um ciclo devastador: a pobreza leva a piores resultados de saúde, o que, por sua vez, reduz o potencial de ganhos e aumenta os custos com saúde, aprofundando ainda mais a pobreza. Esse processo não só corrói o capital humano, mas também pode ter impactos intergeracionais, dificultando a saída da pobreza para as futuras gerações.
7. Baixo Nível de Escolaridade e Oportunidades Educacionais Limitadas
A educação é reconhecida como um dos principais motores da mobilidade social e um caminho fundamental para a superação da pobreza. Consequentemente, o baixo nível de escolaridade, a falta de acesso a uma educação de qualidade ou a interrupção dos estudos são fortes indicadores de pobreza, pois limitam drasticamente as oportunidades futuras e contribuem para a perpetuação do ciclo da privação.
Em Portugal, a correlação entre escolaridade e redução da pobreza é evidente: enquanto 22,6% da população que havia concluído, no máximo, o ensino básico era considerada pobre, o risco de pobreza caía para apenas 5,8% entre aqueles que tinham concluído o ensino superior.
No Brasil, a educação de qualidade permanece inacessível para grande parte da população, um reflexo direto da profunda desigualdade social existente. Essa disparidade no acesso a oportunidades educacionais é uma manifestação clara da desigualdade social. O desinteresse e a evasão escolar são, inclusive, consequências da desigualdade social, que por sua vez, contribuem para o aumento da pobreza e da miséria.
A limitação no acesso à educação de qualidade ou o abandono escolar precoce não são apenas sintomas, mas fatores que perpetuam a pobreza, restringindo severamente o potencial de ganhos futuros de um indivíduo e limitando a mobilidade social entre gerações. Isso significa que as disparidades educacionais atuam como um mecanismo chave através do qual a pobreza é transmitida de uma geração para a próxima.
8. Vulnerabilidade Financeira e Endividamento Crônico
A pobreza não se define apenas pela ausência de renda, mas também pela incapacidade de gerir os recursos existentes e de construir uma base de resiliência financeira. A vulnerabilidade financeira, caracterizada por altos níveis de endividamento e pela falta de poupança, é um sinal inequívoco de instabilidade econômica e de uma condição de vida precária.
Os sinais de vulnerabilidade financeira incluem a incapacidade de pagar contas imprevistas, a acumulação de altos níveis de endividamento e a exposição frequente a fraudes. O impacto do endividamento crônico vai além do aspecto monetário, gerando um significativo ônus psicológico. Pesquisas revelam que 83% das pessoas endividadas enfrentam dificuldades para dormir devido à preocupação com as contas, e 61% relatam crises de ansiedade.
A baixa alfabetização financeira é um problema global que contribui para comportamentos financeiros menos saudáveis, como menor poupança e maior propensão a dívidas. Altos níveis de endividamento e a incapacidade de lidar com despesas inesperadas não são meramente problemas financeiros; eles impõem um fardo psicológico considerável, que inclui estresse, ansiedade e insônia, diminuindo ainda mais a capacidade do indivíduo de melhorar sua situação. Isso indica uma ausência de resiliência financeira, tornando os indivíduos altamente suscetíveis a aprofundar-se na pobreza diante de qualquer choque econômico.
9. Exclusão ou Precariedade no Mercado de Trabalho
A condição no mercado de trabalho é um indicador crucial da situação de pobreza. A falta de emprego formal, o subemprego (trabalho com remuneração ou carga horária insuficientes) ou a baixa remuneração, mesmo em ocupações formais, são fatores que levam à pobreza, uma vez que o trabalho é a principal via de acesso à renda e à dignidade.
Em Portugal, a taxa de risco de pobreza para a população desempregada atingiu 46,7% em 2022, um valor significativamente superior aos 10,0% observados entre a população empregada. Para as pessoas inativas (que não estão empregadas nem reformadas), a taxa de risco de pobreza foi de 31,2%. Além disso, a intensidade da pobreza e a desigualdade na distribuição do rendimento são notavelmente mais elevadas entre a população desempregada. Estar em agregados familiares com intensidade laboral per capita muito reduzida é, inclusive, um dos critérios utilizados na União Europeia para definir o risco de pobreza ou exclusão social.
A análise também revela que mulheres e grupos étnicos minoritários frequentemente enfrentam discriminação no acesso a oportunidades e emprego. A desigualdade social se manifesta claramente na disparidade das chances de emprego. O desemprego, o subemprego ou a baixa intensidade de trabalho em um domicílio são caminhos diretos para a pobreza, indicando a existência de barreiras estruturais para a obtenção de renda estável e a inclusão social. O impacto desproporcional sobre certos grupos demográficos destaca como a discriminação sistêmica limita o acesso a um trabalho digno, perpetuando ciclos de pobreza.
10. Ausência de Mobilidade Social e Exclusão Social
A pobreza é frequentemente acompanhada pela ausência de mobilidade social, ou seja, a dificuldade persistente de ascender na escala socioeconômica. A exclusão social, por sua vez, refere-se à marginalização de indivíduos ou grupos, impedindo sua plena participação na vida econômica, social e cultural da sociedade.
No Brasil, a mobilidade social pode ser severamente limitada, com as circunstâncias de nascimento frequentemente determinando as oportunidades ao longo da vida. Isso significa que a trajetória de vida de um indivíduo é, em muitos casos, predeterminada pela sua origem social, e não por seu mérito ou esforço. A desigualdade social, nesse contexto, colabora para o surgimento de problemas como a marginalização de grupos sociais e o aumento do número de pessoas em situação de rua.
Além disso, mulheres e grupos étnicos minoritários frequentemente enfrentam discriminação no acesso a oportunidades, o que agrava a falta de mobilidade social. A pobreza é um problema complexo, enraizado na opressão e em sistemas que negam às comunidades o acesso pleno à dignidade e aos recursos essenciais. A ausência de mobilidade social e a prevalência da exclusão social indicam que a pobreza não é meramente uma condição individual, mas uma questão sistêmica profundamente enraizada. Quando as circunstâncias de nascimento ditam as oportunidades de vida e certos grupos enfrentam discriminação, isso sinaliza uma falha das estruturas sociais em proporcionar caminhos equitativos para a saída da pobreza, levando à sua perpetuação através das gerações.
Conclusão: A Pobreza como Fenômeno Multidimensional e Interligado
A análise dos dez indicadores apresentados reforça a compreensão de que a pobreza é um fenômeno intrinsecamente complexo e interligado, que se manifesta em múltiplas dimensões da vida humana. Mais do que a simples falta de dinheiro, ela abrange a privação de renda, o acesso limitado a serviços essenciais, condições de moradia inadequadas, insegurança alimentar, barreiras na saúde e educação, vulnerabilidade financeira, precariedade no trabalho e a ausência de mobilidade e inclusão social. Não existe um único “sinal” definidor, mas sim uma constelação de fatores que, em conjunto, configuram a realidade da pobreza e da miséria.
Reconhecer esses sinais é o primeiro e fundamental passo para a autoconsciência e, de forma ainda mais crucial, para a formulação e implementação de políticas públicas eficazes. A identificação detalhada dessas “10 maneiras” de vivenciar a pobreza não apenas permite que indivíduos compreendam sua própria situação para além de estereótipos, mas também desloca a responsabilidade de uma falha puramente individual para um desafio social compartilhado.
Os esforços globais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que visam erradicar a pobreza em todas as suas formas , e as estratégias nacionais, como a adaptação da meta de pobreza extrema no Brasil e a Estratégia Nacional de Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética (ELPPE) em Portugal , são exemplos claros de que essas privações são problemas reconhecidos que demandam soluções coletivas.
A erradicação da pobreza exige um esforço contínuo e conjunto. Governos, sociedade civil, empresas e indivíduos devem trabalhar em colaboração para construir uma sociedade mais justa e equitativa, onde a dignidade e as oportunidades sejam acessíveis a todos. A compreensão aprofundada das múltiplas facetas da pobreza é essencial para guiar ações que promovam a inclusão e o desenvolvimento sustentável para as futuras gerações.